Procurar no portal

UFC promove noite marcante para inauguração do Espaço Cultural Bergson Gurjão Farias e da exposição "Sementes de lutas"

A noite do dia 10 de dezembro de 2024 provavelmente ganhará lugar entre as mais emocionantes da história da UFC. Dentro das comemorações dos seus 70 anos, e em referência ao Dia Internacional dos Direitos Humanos, a instituição realizou uma programação dedicada ao movimento estudantil e à luta permanente contra ideários ditatoriais, em especial aqueles que ainda ressoam seis décadas após o golpe militar de 1964 no Brasil.

Com a participação de servidores docentes e técnico-administrativos, estudantes, egressos dos quadros e do movimento estudantil da UFC, a noite foi um grande reencontro de velhos amigos e parceiros de batalha. Por todo o gramado, entre as cadeiras e ao longo dos corredores, testemunhava-se abraços, acenos e sorrisos. Gente que não se via há décadas, mas cujos laços forjados na resistência contra a ignorância, o autoritarismo e a violência indiscriminados não se desfizeram com o tempo.

Imagem:  evento ao ar livre durante a noite, realizado em frente a um grande prédio histórico de fachada rosa e branca com arquitetura colonial, iluminado por refletores verdes. Um grande público está sentado em cadeiras brancas de plástico, organizado em fileiras sobre o gramado. Entre os participantes, há pessoas de diferentes idades, com algumas em pé e outras conversando. O ambiente é iluminado e festivo, transmitindo a sensação de uma celebração ou encontro cultural.

Veja outras imagens do evento no Flickr da UFC

Sob o nome de Sementes de lutas, o evento teve como destaque a inauguração do novo Espaço Cultural Bergson Gurjão Farias e da exposição Sementes de lutas: aqui está presente o movimento estudantil!, que aborda a história da militância discente na UFC. A programação incluiu ainda o lançamento do livro Tempos de “nunca-mais”: as graves violações dos direitos humanos nas universidades públicas do Ceará – 1964-1985 e a entrega do Termo de Reconciliação Histórica a ex-militantes do movimento estudantil na UFC que foram perseguidos de alguma forma pela ditadura militar.

RELATOS PARA NUNCA MAIS – Ainda no fim de tarde, o público foi recepcionado nos jardins da Reitoria com a contribuição da cantora Aparecida Silvino e do músico e professor da UFC Alfredo Pessoa, que interpretaram clássicos da música de protesto dos anos 1970 – entre eles “Pra não dizer que não falei das flores”, “Cálice”, “Pavão mysteriozo”, “Apesar de você” e “Como nossos pais”.

Abrindo os trabalhos da noite, o reitor Custódio Almeida e a vice-reitora Diana Azevedo fizeram as falas iniciais. “Queria saudar todas essas pessoas que estiveram no movimento estudantil, que ao longo dos anos contribuíram significativamente para a vida pública e para que a democracia permanecesse viva. Quero dizer da minha alegria de ver cada um de vocês aqui hoje, e aprender que luta e movimento estudantil não têm desvinculação nenhuma de compromisso e de competência técnica”, pontuou Diana Azevedo.

Imagem:  duas pessoas em um palco. À esquerda, um homem de óculos usa um terno preto com uma camisa verde e segura um livro ou caderno enquanto observa a pessoa ao lado. À direita, uma mulher de cabelo encaracolado e grisalho, vestindo uma blusa rosa e um casaco preto, fala ao microfone. Eles estão posicionados entre duas colunas brancas, com portas brancas e detalhes em vidro colorido ao fundo, em frente a uma parede rosa. O ambiente sugere um evento formal ou cultural.

“Eu sou filho do movimento estudantil da UFC. Foi ele que me fez encontrar o que a universidade é de fato: diversidade, pluralidade, liberdade. O movimento estudantil é uma escola de formação política, de onde vêm muitas pessoas que fazem a gestão da sociedade. São os políticos, os cientistas, os magistrados”, completou Custódio.

“Tudo isso que estamos fazendo em 2024 é para celebrar a UFC, mas também para celebrar a instituição universidade. E hoje é um dia para lembrarmos esse passado. Felizmente cada um que vai falar aqui poderá dar voz aos que foram calados”, finalizou o reitor. 

A noite seguiu com o lançamento do livro Tempo de “nunca mais”, baseado no relatório da Comissão da Verdade UFC e UECE de 2014. A obra reúne 28 depoimentos de vítimas da ditadura que sofreram graves violações dos direitos humanos durante o regime militar, além de informações retiradas de documentos oficiais dos órgãos de segurança nacional. Coordenado pelo professor César Barreira, o trabalho foi produzido pelos professores Helena Serra Azul Monteiro, Geovani Jacó de Freitas, Virgínia Bentes Pinto, José Eudes Baima Bezerra e Maria Glaucíria Mota Brasil.

Imagem: um homem idoso de cabelo e cavanhaque grisalhos, paletó cor creme e camisa social azul, fala ao microfone, segurando as folhas com seu discurso nas mãos

Alguns dos que prestaram depoimento para o livro estavam presentes na plateia, o que tornou a ocasião ainda mais tocante. Em sua fala, César Barreira dedicou o livro a “todas as pessoas que contribuíram com suas vidas e memórias para mudanças significativas na sociedade brasileira. Esta obra inclui presentes e ausentes. É, na realidade, o testemunho de uma época que esperamos ter sido abolida de nossa história. Foi nesse sentido que o título foi concebido: Tempos de ‘nunca mais’”.

O professor aproveitou para citar e agradecer não apenas aos colegas docentes, mas outras pessoas que contribuíram para a obra, como o jornalista Mario Mamede (médico, ex-deputado estadual pelo PT e ex-secretário nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, que escreveu o prefácio), Maria Luíza Fontenele (professora e ex-prefeita de Fortaleza, que assina a orelha), Rafael Silva (presidente da Comissão de Direitos Humanos da UFC, que escreveu a quarta capa), entre outros.

Para César Barreira, entre as perseguições e violências promovidas pela ditadura nas universidades e com os estudantes, “houve uma ruptura na vida acadêmica. Um corte sofrido por toda uma geração que não pôde se desenvolver e florescer”.

Convidado aguardado da noite – e participante confirmado do seminário Sementes de Lutas, iniciado na quarta-feira (11/12), também como parte da programação do evento –, o ex-deputado federal pelo PT e ex-presidente do DCE/UFC José Genoíno fez uma fala lembrando seu tempo de estudante e militante na universidade. “Nós aprendemos a ocupar os salões, os auditórios, quebrar as paredes, as portas para que a democracia entrasse na Universidade Federal do Ceará. Quem não se lembra da sala do Conselho Universitário que a gente ocupava?”, recordou.

Imagem: um homem idoso, de camisa rosa e calça marrom, fala ao microfone para uma plateia à sua frente, enquanto gesticula. Atrás dele aparecem portas de um casarão antigo, com paredes rosas

“Essa universidade, para mim, sempre esteve aberta para o mundo. Ela era uma passagem. Porque aqui foram geradas tantas lideranças, tanto conhecimento, tanta energia. Estamos aqui pelo que representa a nossa história, os nossos ideais, nossos sonhos. Nossas utopias e causas”, reforçou o político. A fala foi seguida da bonita contribuição dos músicos cearenses Rodger Rogério e Fausto Nilo, que interpretaram a canção “Retrato marrom”.

Houve falas ainda do reitor da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Hidelbrando dos Santos Soares; do professor Rafael Silva, presidente da Comissão de Direitos Humanos da UFC; da professora da UFC Helena Serra Azul; e do advogado e juiz do trabalho aposentado Inocêncio Uchôa (esses dois últimos ex-presos políticos que deram seus depoimentos para o livro).

TESTEMUNHAS DA HISTÓRIANa sequência, foi a vez de um dos momentos mais emocionantes da noite: a entrega do Termo de Reconciliação da UFC a ex-alunos de alguma forma prejudicados e perseguidos pela ditadura militar no País. Aqueles já falecidos foram representados por parentes ou docentes da universidade. Um a um, os homenageados receberam o documento – aprovado pelo CONSUNI em 1º de novembro de 2024 –, que atesta o reconhecimento por parte da UFC da violência que sofreram.

Em sintonia com o momento, a fala do deputado estadual do Ceará Renato Roseno – ex-membro de gestões do Centro Acadêmico Clóvis Beviláqua (curso de Direito da UFC) e do DCE/UFC – foi permeada de emoção, ao lembrar as ameaças que até hoje rondam e atacam a democracia no país.

Imagem: um grupo de nove pessoas posando em um gramado em frente a um prédio com colunas brancas e paredes rosa claro. São cinco homens e quatro mulheres, todos vestidos formalmente. Alguns seguram documentos com a inscrição "UFC 70", indicando um evento comemorativo ou oficial. As pessoas sorriem e estão lado a lado, em clima de confraternização. Ao fundo, observa-se parte de um palco e elementos arquitetônicos do prédio.

Estávamos no umbral de um outro golpe militar. Onde estariam tantos de nós aqui se eles tivessem dado o golpe? Muitos de nós estaríamos cassados, outros presos, outros perseguidos. Foi por muito pouco, e foi um dia desses”, reforçou.“Esse país continua sendo um dos que na América Latina teima em não responsabilizar os agentes de Estado e os crimes de Estado. Por isso é absolutamente importante falarmos em reparação. O direito à reparação é isso: é o direito à palavra, à memória, à verdade e à justiça”, pontuou o deputado.

VIAGEM NO TEMPO – Ponto alto da programação, a inauguração do Espaço Cultural Bergson Gurjão Farias contou com a participação acentuada de alunos integrantes do movimento estudantil na UFC.

Reunidas ao lado do reitor, em torno da placa do novo equipamento da Reitoria, as alunas Dandahra Cavalcante, Angela Abuk, Mayara Melo e Yasmin Santos fizeram falas contundentes sobre a importância do momento e da homenagem a Bergson.

Imagem: quatro pessoas em um ambiente interno com paredes em tons de pêssego. No centro, há um tecido azul cobrindo algo na parede. À esquerda, um homem de óculos, usando terno preto e camisa verde, observa atentamente. Ao lado dele, uma mulher de óculos, cabelo cacheado, veste um top branco e saia verde estampada, segurando um livro vermelho. Mais à direita, uma jovem de cabelo comprido e cacheado veste uma camiseta vermelha com a inscrição "Acontece" e calça cinza. À direita, outra mulher, com cabelo volumoso e crespo, veste uma camiseta vermelha estampada, calça branca e segura um microfone enquanto fala. Ela também carrega um tecido azul claro com a inscrição "CMD". O ambiente sugere uma cerimônia ou evento de inauguração.

“São momentos como esse, espaços como esse que dão força para continuar o legado de cada um que deu seu esforço, seu suor e sua vida pelo movimento estudantil, pela luta pelo bem-estar coletivo, pelo nosso futuro. São espaços como esse que nos dão a certeza de que estamos do lado certo da história”, reconheceu Yasmin Santos.

“A nossa luta não é só por memória, é por memória, verdade e justiça. E é muito importante que o movimento estudantil esteja aqui, entre todas as gerações, dizendo que nós não vamos aceitar golpe no nosso país e que vamos defender prisão para todos os golpistas de ontem e de hoje”, completou Dandahra Cavalcante.

Placa descerrada, foi a vez de todos entrarem para conferir, em primeira mão, a exposição Sementes de lutas: aqui está o movimento estudantil!. Em poucos segundos as salas estavam tomadas por olhares curiosos e por elogios. Muitos não demoraram a se encontrar nas fotos expostas.

Com os olhos marejados, o jornalista Inácio Carvalho Coelho observava uma parede com reprodução de cartazes que realmente chegaram a compor o ambiente da sede do DCE/UFC nos anos 1980. “Eu fui da diretoria do DCE, na chamada Gestão Viração, de 83 e 84. Quem começou esse painel fomos nós”, contou. “O primeiro cartaz foi aquele da reforma agrária, colocada pelo Luiz Antônio Maciel de Paula, vice-presidente do DCE da nossa época e estudante de Agronomia”, continuou.

Imagem: um grupo de pessoas está reunido em um espaço que parece ser uma exposição ou museu. Algumas pessoas estão paradas observando detalhes nas paredes, que incluem textos e fotografias. No lado direito, há uma máquina ou armário decorado com adesivos coloridos. Um sofá azul está em primeiro plano. O ambiente é bem iluminado e conta com painéis no teto e paredes claras, criando um clima de interação e interesse.

Uma das várias pessoas consultadas pela comissão responsável pela mostra, Inácio contribuiu com depoimentos, conversas e informações, tendo acompanhado parte da construção do material. Ainda assim, revelou-se surpreso e muito emocionado com o resultado final. “Por mais que o pessoal tenha me dito como seria, eu não conseguiria... Eu vou voltar com calma”, disse, interrompido pelo choro.

Além de fotos e da reprodução da sala do DCE, há uma grande linha do tempo com textos que ocupam uma parede inteira, uma cortina formada toda por carteirinhas de estudantes e publicações sobre o movimento estudantil, disponíveis para consulta. Na última parte do corredor foi pintado um mural por estudantes da UFC e instalada uma projeção de vídeos.

Mas o ambiente mais arrepiante, sem dúvidas, é a sala escura onde foi colocada uma máquina de escrever, ladeada por documentos e relatórios, recriando uma espécie de sala de interrogatório. Nas paredes estão escritos os nomes de estudantes perseguidos, sendo um deles Bergson Gurjão, cuja foto encara o visitante, lembrando-o de não esquecer.

Imagem:  espaço de exposição interna, com várias pessoas caminhando e observando objetos expostos em vitrines de vidro. Ao fundo, há bandeiras azuis com o logotipo da UNE (União Nacional dos Estudantes). O ambiente parece ser iluminado com luz branca, e as paredes estão decoradas com painéis exibindo imagens e textos históricos. O público é diverso, com pessoas de várias idades, algumas interagindo entre si, enquanto outras estão concentradas nos itens expostos. O local transmite uma atmosfera de interesse cultural e histórico.

Engenheiro mecânico formado pela UFC, analista aposentado do Banco Central e atual presidente do PCdoB no Ceará, Luis Carlos Paes de Castro foi o primeiro presidente do DCE/UFC após sua reabertura em 1979. Para ele, a exposição chega como uma iniciativa muito positiva da gestão da universidade e em um momento muito oportuno. “De certa forma, pode estimular a nova geração que vem aí para que levante a bandeira da defesa do ensino público, gratuito e de qualidade, da necessidade de construirmos um novo projeto de desenvolvimento, que valorize o trabalho e reduza as desigualdades sociais em nosso país”, observou.

Emocionada como muitos de seus companheiros, a psiquiatra e médica de estratégia de saúde da família Lidia Dias Costa também elogiou o resultado final. “A gente sabia que quando chegasse o momento com tudo montado, e essa história sendo recontada, revivida, seria impactante”, contou.

Vice-presidente do Centro Acadêmico de Medicina 12 de Maio em 1990 e vice-presidente do DCE/UFC em 1991, Lidia considera a exposição um presente para Fortaleza, para o Ceará e o Brasil. “Aqui, no Ceará, a gente travou muitas batalhas que eram nacionais, fizemos parte dessas lutas e que continuamos nelas, mesmo fora da universidade. É um momento muito, muito emocionante estar aqui”, comemorou.

SERVIÇO 
Exposição Sementes de lutas: aqui está presente o movimento estudantil! 
Até março de 2025 no Espaço Cultural Bergson Gurjão Farias (avenida da Universidade, 2853, Benfica). Acesso gratuito.
Visitação: de segunda a sexta, das 9h às12h e das 13h às 17h. 

Fonte: Coordenadoria de Articulação Política Institucional (CAPI/UFC) – fone: (85) 3366.7328 

Endereço

Av. da Universidade, 2853 - Benfica, Fortaleza - CE, CEP 60020-181 - Ver mapaFone: +55 (85) 3366 7300