UFC Talks: Quais os impactos da COVID-19 para o meio ambiente?
- Segunda, 25 Mai 2020 10:21
A política de quarentena causada pela COVID-19 tem provocado impactos positivos no meio ambiente: redução na poluição atmosférica das grandes cidades e de rios e mares, na caça e pesca predatória, na poluição sonora. Na quarta entrevista da série UFC Talks, que aborda os desdobramentos da COVID-19, a conversa é com o professor Marcelo Soares, doutor em Geociências, pesquisador do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) e cientista-chefe do Meio Ambiente do Estado do Ceará (FUNCAP).
O pesquisador diz que ainda não é possível dimensionar o impacto global desse fenômeno, defende que economia e meio ambiente estão interligados e faz um alerta sobre os cenários possíveis pós-pandemia. Em um deles, destaca, é possível que a urgência de retomada econômica sirva como argumento para a exploração econômica predatória dos recursos naturais. Acompanhe a conversa:
ufc{talks} – Com a política de isolamento social, há vários relatos de redução da poluição, seja no ar, seja nos oceanos. Já é possível dimensionar isso?
Marcelo Soares – Ainda não é possível dimensionar em uma escala global. Mas é lógico que a paralisação econômica tem reduzido desde a poluição sonora, passando pela emissão de resíduos de origem industrial, até a poluição atmosférica nas grandes cidades, devido à restrição do transporte público e de atividades econômicas. Nos oceanos, por exemplo, tem havido uma redução da navegação tanto de barcos de transporte quanto de cruzeiros, o que diminui os impactos da poluição marinha. É possível que venha a ser dimensionado em escala adequada, porque muitos pesquisadores continuam coletando dados. Agora, com certeza, tem acontecido uma redução da poluição neste período devido à paralisação dessas atividades.
ufc{talks} – Quais os efeitos dessa redução para o ser humano e para o meio ambiente?
Marcelo Soares – Os efeitos são variados. Há uma redução da poluição atmosférica nas grandes cidades, o que é favorável ao ser humano porque a poluição atmosférica é uma das principais razões de doenças respiratórias, câncer e vários outros tipos de enfermidades. Pesquisas em Fortaleza mostraram alto risco de exposição a contaminantes que causam câncer devido a caminhadas nas avenidas nos horários de pico dos engarrafamentos. A melhoria da qualidade da água em alguns locais é outro ponto importante, porque água poluída é vetor de inúmeras doenças e perda de áreas de recreação. Essa redução da poluição atmosférica e aquática, aliás, é favorável à saúde do ser humano e à de diversas outras espécies. A paralisia das atividades de caça e pesca, por exemplo, permite aos animais reproduzirem naturalmente dentro de seus ciclos. Dependendo do tempo em que essas atividades fiquem paralisadas, é possível que a gente observe o aumento da quantidade de animais, que tinha caído devido à forte pressão econômica, insustentável, que estava sendo feita. Além disso, neste ano, provavelmente veremos uma redução da emissão dos gases de efeito estufa no Planeta.
ufc{talks} – O senhor aponta uma retomada ambiental, mas que se dá ao custo da atividade econômica. É possível uma compatibilização?
Marcelo Soares – Temos visto muita polarização entre a economia e a saúde, um argumento sem sentido de que fazer ações de saúde é acabar com a economia, ou o contrário. Pode-se perfeitamente ter a manutenção da saúde e de ganhos financeiros para as pessoas, o que alguns governos têm tentado fazer ao redor do mundo neste período crítico. Esse mesmo raciocínio temos de aplicar para a área ambiental: é possível, sim, manter as atividades econômicas e a qualidade ambiental, as espécies, sua sustentabilidade. Até porque uma depende da outra.
A gente pensa que a degradação ambiental não afeta as atividades econômicas, mas isso não é verdade. Vou dar dois exemplos bem simples: o primeiro é que o impacto econômico das mudanças climáticas, que é proveniente da degradação ambiental, será muito maior do que o do coronavírus. Nada menos que 50% das praias do mundo devem acabar até 2100. Imagine o impacto econômico, de lazer, turístico e social de perder metade das praias. Uma pessoa que nasça agora em 2020, quando tiver 80 anos, não terá 50% das praias do mundo para conhecer. Atividades turísticas, comércio, pesca, estradas, serviços e o patrimônio imobiliário terão perdas bilionárias devido às mudanças ambientais e climáticas.
No Ceará, temos, além das mudanças climáticas, a ocupação de dunas, construções irregulares e o barramento de rios, que aceleram este processo. 40% das praias do Ceará já se encontram em erosão. Outra questão: as mudanças climáticas e o aquecimento global estão aumentando a temperatura em muitas regiões do Planeta. Isso está levando ao aumento de doenças. Por exemplo, uma crise que a Europa pode ter nos próximos anos é com as doenças tropicais negligenciadas (como dengue, chikungunya e doença de Chagas), atualmente mais restrita aos países de clima quente.
Porém, com o aumento da temperatura do Planeta, várias dessas doenças tropicais começaram a aparecer na Europa. E o sistema de saúde europeu não está preparado. A mesma situação pode acontecer com várias doenças aqui no Brasil. Tudo isso devido, em parte, às mudanças climáticas. Veja que a degradação ambiental prejudica muito a saúde pública e a economia. Está tudo interligado.
ufc{talks} – Quando o pico do novo coronavírus passar, quais os desafios de longo prazo? O que é possível esperar?
Marcelo Soares – Teremos dois cenários possíveis: a COVID, como pandemia, pode levar a um processo de depressão econômica em muitos países, o que vai causar desemprego e problemas fiscais. Então, é possível que, após a COVID, muitos líderes econômicos e políticos tentem usar isso como argumento para acelerar a degradação do meio ambiente, numa exploração econômica de curto prazo para aumentar rapidamente o estoque de empregos e a arrecadação de impostos em detrimento da qualidade ambiental. Esse é um cenário muito ruim.
Outra possibilidade é que, após a COVID, possamos acelerar a transformação como sociedade, compatibilizando as atividades econômicas, numa economia de baixo carbono para que impeçamos essa caminhada das mudanças climáticas e da emergência das doenças. A gente está vendo que essa pandemia da COVID está relacionada também a uma crise ambiental, ao uso de animais selvagens.
Isso vai acontecer cada vez mais e as crises serão mais comuns. Especialistas em doenças infecciosas emergentes vêm alertando há décadas que a fragmentação e degradação do habitat e os mercados de animais vivos aumentam o risco de doenças que se espalham da vida selvagem para as populações humanas.
O surgimento de muitas das enfermidades do nosso tempo, HIV, Ebola, Nipah, SARS, H5N1 e outras, pode ser atribuído, pelo menos em parte, ao aumento do impacto humano sobre os sistemas naturais. Cada vez que a gente degrada mais as florestas e os oceanos, cada vez que se usam mais os recursos naturais, novas doenças aparecem. Talvez, após a crise, possamos ter um novo cenário, um novo mundo, em que se consiga um novo modelo econômico compatível com a conservação ambiental.