Projeto RASTUM desenvolve tecnologia para rastreamento da cadeia produtiva de atum no Ceará
- Quinta, 28 Outubro 2021 16:30
- Última Atualização: Quarta, 10 Novembro 2021 13:36
Para chegar ao prato do consumidor, o peixe passa por um longo processo de produção que inclui desde o pescador até o restaurante ou supermercado para a venda final. E, para ser um produto de qualidade, vários fatores estão envolvidos nesse percurso, como condições naturais (como temperatura e salinidade do mar), aspectos industriais (forma de pesca, transporte e armazenamento do pescado), e até questões biológicas (crescimento da espécie, dinâmica migratória e taxa de mortalidade, por exemplo).
Foi pensando em toda essa cadeia produtiva do peixe que Universidade Federal do Ceará, Universidade Estadual do Ceará (UECE), Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC) e Sindicato das Indústrias de Frio e Pesca no Estado do Ceará (SINDFRIOS) se uniram para desenvolver o projeto de Rastreabilidade da Cadeia de Produção do Atum: automação e inteligência artificial (RASTUM).
A iniciativa, financiada pelo programa Digital.br, da Agência Brasileira para o Desenvolvimento da Indústria (ABDI), tem o objetivo de utilizar a inteligência artificial e a automação para o rastreio e o monitoramento da cadeia produtiva do atum e de peixes vermelhos desde o momento da captura até o beneficiamento.
O grupo está desenvolvendo um software com geolocalização a ser alimentado por pescadores, produtores e empresários do pescado. “É uma espécie de banco de dados que vai aumentar todo o conhecimento de pesca e comercialização de atum na costa do Ceará. Isso já existe em países avançados. O que estamos fazendo é agregando valor, em vez de importar essa tecnologia, estamos desenvolvendo aqui no Ceará”, destaca o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFC, Prof. Rodrigo Porto.
Temperatura e salinidade do mar, localização geográfica da pesca via satélite, tempo despendido na captura do pescado, temperatura do armazenamento dos peixes desde a embarcação até a indústria de beneficiamento são alguns aspectos monitorados pelo software. Além de ajudar a garantir uma qualidade no produto final, o aplicativo também contribui para uma pesca mais justa e sustentável.
Desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Engenharia de Sistemas de Computação (LESC), vinculado ao Departamento de Engenharia de Teleinformática da UFC, o aplicativo vai coletar dados como temperatura do pescado, peso e tipo do peixe e localização. O Prof. Jarbas Silveira explica que o aplicativo será usado por pescadores e trabalhadores do transporte de peixe em um tablet interligado a sensores dentro das embarcações. As informações são repassadas de forma on-line para os computadores das empresas.
“Isso irá ajudar as empresas a ter uma visibilidade em tempo real onde está acontecendo a pesca e quais os tipos de peixes que estão sendo pescados em cada local”, aponta. No caso de falta de conexão com a Internet, as informações são armazenadas no aplicativo e enviadas quando a conexão for retomada.
A analista de prospecção estratégica do Observatório da Indústria do Sistema FIEC, Leila Andrade, explica que o projeto contemplará mais de 30 embarcações, beneficiando de seis a oito pescadores por barco. De acordo com ela, o projeto prevê a doação de tablets e sensores de temperatura, além da capacitação dos trabalhadores para a inserção das informações.
O projeto, segundo Leila Andrade, foi desenvolvido para atender a uma demanda do próprio setor, que sentiu a necessidade de garantir a rastreabilidade do produto. “Algumas espécies do atum têm grande valor comercial. Mas, sem boas práticas [sanitárias] e a rastreabilidade, o valor cai”, destaca Francisco Ozina Costa, proprietário da Netumar Pescados, uma das dez empresas participantes da iniciativa. Para ele, o RASTUM proporcionará às empresas mais “segurança jurídica”, pois terão condições de “prestar conta” às autoridades brasileiras e ao mercado internacional.
Tanta preocupação não é por acaso. Além do valor comercial, os atuns são espécies “altamente migratórias”, como destaca a diretora do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) da UFC, Profª Ozilea Menezes. “Devido a isto, são considerados recursos internacionais e seu ordenamento deve ser feito por uma entidade internacional”, explica.
No caso do Brasil, a pesca é regulada pelo Comitê Internacional para a Conservação dos Atuns no Atlântico (ICCAT), que estabelece cota máxima de captura do peixe. “Se [o atum] for rastreado, com a quantidade e a espécie [capturada], [os pescadores e as empresas de pescado] conseguem vender para o mercado internacional a um bom preço”, observa a diretora do LABOMAR, unidade acadêmica que coordena o projeto na UFC.
Com o monitoramento, é possível mensurar a quantidade de peixes capturados, contribuindo, assim, para a garantia de uma pesca em concordância com as normas internacionais e mais sustentável, evitando a pesca excessiva e possibilitando a renovação da espécie.
Além disso, a Profª Ozilea Menezes explica que, com o rastreamento, é possível, por exemplo, observar como é feita a pesca na região (quantidade de dias que a embarcação passou em alto mar para capturar os peixes e distância do local de pesca até a costa, por exemplo, são fatores que influenciam nos gastos com a pesca). “Isso se refere ao esforço de pesca, fator primordial para dar valor ao peixe”, aponta.
Para o reitor da UFC, Prof. Cândido Albuquerque, RASTUM é um projeto de grande importância para a economia do mar no Ceará. “O atum hoje representa uma grande fonte de economia, nós temos exportação [do atum]. A FIEC tem interesse em proteger essa indústria. E você tem que fazer esse rastreamento para conhecer toda essa cadeia produtiva, preservá-la, aumentá-la. A pesca não pode ser desordenada, deve ser cientificamente controlada”, comenta.
Ouça também notícia da rádio Universitária FM sobre o projeto
TRABALHO DE CAMPO – Responsável pelas atividades de campo para o acompanhamento de desembarques de pesca e visitas às empresas de processamento do atum e de peixes vermelhos no litoral cearense, a Profª Caroline Feitosa, do Curso de Oceanografia da UFC, considera a “receptividade muito boa” dos trabalhadores das embarcações com as equipes que vão apresentar o projeto.
Ela e mais quatro estudantes do curso (Caio Anderson, Dávila Maria, Isabella Marques e Julie Adrien) estão, desde o mês de julho, em contato com trabalhadores de Itarema e Acaraú, no litoral oeste, e de Aracati, no litoral leste do Ceará, cadastrando e coletando informações das embarcações. As atividades contam também com a contribuição da oceanógrafa Ana Beatriz Leite, egressa do LABOMAR e hoje colaboradora do Observatório da Indústria da FIEC.
A partir do fim de setembro, o grupo entrou em outra fase do projeto, que é monitorar os desembarques das pescas e apresentar o aplicativo aos “mestres” (espécie de comandantes) das embarcações, que ficarão responsáveis por inserir as informações no aplicativo. “No geral, a receptividade está sendo boa”, considera.
CONTRIBUIÇÃO CIENTÍFICA – Além da contribuição tecnológica ao setor produtivo do Ceará, também faz parte do propósito do RASTUM aumentar o conhecimento científico sobre as variáveis oceanográficas nos animais marinhos e suas consequências para a atividade pesqueira. A ideia, de acordo com a Profª Ozilea Menezes, é estudar a correlação entre a distribuição de atum e afins no espaço e tempo e em relação às características oceanográficas da região.
Quais as condições ambientais mais propícias à pesca do atum? Quais são as regiões e o melhor local? Qual o melhor período do ano? São algumas perguntas que os pesquisadores pretendem responder com a ajuda do aplicativo. “Esse conhecimento minimiza o esforço de pesca, para ter um rendimento mais elevado da atividade pesqueira respeitando a sustentabilidade, sem provocar um decrescimento que ocasione a vulnerabilidade da espécie”, aponta a docente.
Além de estudantes e professores, a pesquisa conta com a colaboração dos servidores técnico-administrativos Bárbara Paiva (oceanógrafa), Abraão Andrade (responsável pela divulgação científica do projeto no LABOMAR) e Fábio Ribeiro (integrante da equipe do LESC que desenvolveu o aplicativo).
Fonte: Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) – fone: (85) 3366 7000