Pesquisadores desenvolvem mapa que relaciona avanço da COVID-19 e aspectos sociais em Fortaleza
- Segunda, 25 Mai 2020 15:02
Pesquisadores do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará desenvolveram um mapa, em formato de vídeo, que mostra o avanço da infecção por coronavírus no município de Fortaleza, ao mesmo tempo que relaciona o número de casos e mortes por COVID-19 a dados como vulnerabilidade social e faixa etária populacional. O mapa pode ser acessado em formato de vídeo ou GIF (como visto abaixo).
O levantamento, que toma como base os números oferecidos pelo Sistema Único de Saúde, considera supostas infecções por coronavírus já desde o mês de janeiro, antes mesmo de se iniciarem as medidas de enfrentamento do vírus pelo poder público do Ceará. Os últimos números vão até o dia 17 de maio.
Além de mostrar como se deu o início da doença na metrópole, o mapa também apresenta possíveis "facilitadores" de transmissão, como pontos de transporte aeroportuários e rodoviários (aeroporto e terminais de ônibus). Um movimento que se percebe, pelo mapa, é que, por mais que tenha surgido primeiro em áreas nobres da cidade, o coronavírus ganhou mais espaço e, consequentemente, causou mais óbitos em locais de maior vulnerabilidade.
O Prof. Eustógio Wanderley Dantas, do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFC, coordenador do estudo, explica que uma primeira onda de contágio se deu pelo uso do transporte aéreo, com visitantes de outros locais do mundo ou os próprios moradores de bairros nobres de Fortaleza trazendo consigo o vírus após viagens. A partir daí, uma segunda onda se inicia, quando moradores de outras áreas têm contato com o vírus já de forma local e o levam a seus respectivos bairros.
"A segunda onda é a dimensão do sistema rodoviário, pautado hoje nos terminais de ônibus. Esses terminais se apresentam como lugares onde a contaminação ocorre com força, suscitando o contágio de áreas antes não afetadas", diz o pesquisador. Consequência disso é não apenas o espalhamento do vírus na cidade mas um maior índice de óbitos, por conta de fatores socioambientais específicos das áreas periféricas.
"Há a constituição de um quadro de vulnerabilidade socioambiental, não da totalidade do bairro mas de parcelas, onde esse fator é elevado. São áreas pequenas, nas quais convivem famílias grandes, o que torna difícil o isolamento, e há dificuldade de acesso a serviços básicos", explica.
Outro fator, além das condições sociais, é a faixa etária da população dos bairros. "O contágio muda para um conjunto de bairros populares com percentual elevado de população com mais de 60 anos de idade, como a Barra do Ceará e o bairro Vila Velha. Na Barra, o número de mortes é superior ao número nas áreas centrais", aponta o Prof. Eustógio.
REGIÃO METROPOLITANA – O pesquisador considera que existe ainda uma terceira onda de contágio do coronavírus, não apresentada no mapa. Trata-se do avanço do patógeno para outras regiões, além dos limites do município, na região metropolitana de Fortaleza.
Considerando-se o papel que a Capital e seus arredores exercem de oferecer um fluxo para outras áreas do Estado, essa contaminação acaba por chegar a locais como Sobral ou mesmo Crato e Juazeiro do Norte, mais distantes de Fortaleza.
ANÁLISE E AÇÕES – Consequência de um estudo como esse é, para o Prof. Eustógio, uma oportunidade de projetar e oferecer ao poder público possíveis caminhos de ação para enfrentamento do coronavírus e diminuição dos impactos gerados pela pandemia na cidade de Fortaleza.
"As ações devem ser direcionadas levando-se em conta idade e, pela conversão para algumas áreas específicas, também a dinâmica de vulnerabilidade social que é vivenciada desde os primórdios da cidade e ainda não foi resolvida ou superada", ressalta.
O pesquisador lembra que, apesar do momento único de pandemia, experienciado hoje no mundo inteiro, a capital cearense já enfrentou outros eventos endêmicos, como o gerado pela varíola, que chegou a causar, em dezembro de 1878, a morte de 1.004 pessoas em único dia (conhecido como o Dia dos Mil Mortos).
O número assombroso, similar ao que o Brasil inteiro apresenta hoje com relação ao coronavírus, é reflexo, para o professor, de um histórico longo que Fortaleza tem de problemas socioambientais nas áreas periféricas. "Nessas áreas populares, há um convívio continuado com uma série de doenças, como a dengue, a chikungunya, a doença do zika vírus, a H1N1, a leptospirose, o calazar e outras", conclui.
PESQUISADORES – O desenvolvimento do mapa partiu de um esforço de pesquisadores do Norte e Nordeste, com a intenção de criar um levantamento que considerasse as duas regiões. Em Fortaleza, o trabalho ficou por conta dos pesquisadores da área na UFC. A opção pelo formato de vídeo se deu para melhor representar as tendências de contaminação do coronavírus na cidade.
Na UFC, participam do projeto os laboratórios de Planejamento Urbano e Regional (LAPUR), Geoprocessamento e Cartografia Social (LABOCART) e Climatologia Geográfica e Recursos Hídricos (LCGRH), além da empresa júnior GeoMaps Consultoria, do Programa de Pós-Graduação em Geografia, com apoio do Observatório das Metrópoles do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT).
Fonte: Prof. Eustógio Wanderley Dantas, do Departamento de Geografia da UFC – e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.