Estudo da UFC sobre agente anticâncer feito com cera da carnaúba é capa em periódico internacional
- Terça, 16 Junho 2020 16:41
O artigo "Magnetic hybrid wax nanocomposites as externally controlled theranostic vehicles: high MRI enhancement and synergistic magnetically assisted thermo/chemo therapy" ("Nanocompósitos magnéticos híbridos de cera como veículos teranósticos de controle externo: aprimoramento de elevado MRI e termo/químio terapia sinergística magneticamente assistida"), que conta com a participação de pesquisadores do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da Universidade Federal do Ceará, foi destaque de capa da edição de abril do Chemistry A European Journal, uma publicação científica das Sociedades Europeias de Química. O trabalho aborda o uso de produtos naturais da caatinga como estratégia em terapias de combate ao câncer.
Integram o estudo as pesquisadoras Carolina Moura, egressa do doutorado do Programa de Pós-Graduação em Química, e as professoras Nágila Ricardo e Otília Pessoa, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da UFC. Assinam ainda o texto os cientistas Juan Gallo, Lorena García-Hevia e Manuel Bañobre-López, do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia, centro de investigação hispano-luso em Braga, Portugal.
A pesquisa trata da utilização da cera de carnaúba como matriz lipídica para um nanocompósito (materiais em que pelo menos um de seus componentes apresentam dimensões nanométricas) aplicável no tratamento contra o câncer. Nessa plataforma, estão nanopartículas magnéticas e um bioativo natural com ação anticancerígena, a oncocalixona-A, extraída de uma árvore endêmica da caatinga, o pau-branco do sertão.
Sobre o nanocompósito explica a professora Nágila Ricardo, coordenadora do Laboratório de Polímeros e Inovação de Materiais (LabPIM), onde foi desenvolvida a pesquisa: "A cera de carnaúba forma uma cápsula lipídica com um caráter magnético conferido pela presença das nanopartículas de óxido de ferro. Tem-se então (no nanocompósito) o fármaco responsável pelo efeito terapêutico, e as nanopartículas de ferro nele funcionam como agentes de contraste para ressonância magnética de imagem e para hipertermia magnética (superaquecimento da região do tumor, matando as células cancerígenas)".
O nanocompósito desenvolvido no estudo atua, portanto, em duas vias no combate às células tumorais: tanto através da liberação de fármacos que podem agir de forma mais precisa no corpo do paciente, reduzindo assim os efeitos colaterais do tratamento, quanto através da viabilização do uso da técnica de hipertermia magnética, propiciada por meio das nanopartículas presentes na estrutura. "A hipertermia magnética moderada tem atraído significativamente a atenção como um método seguro para a terapia do câncer. As células tumorais são mais sensíveis à temperatura elevada do que as células normais e essa técnica pode permitir um acréscimo de temperatura no local específico, matando assim as células tumorais e causando o mínimo de danos ao tecido normal", observa a pesquisadora Carolina Moura.
Outra via de ação do nanocompósito está no seu papel de diagnóstico de doenças. "Este trabalho demonstra o grande potencial da nanotecnologia no tratamento, na prevenção e no diagnóstico de inúmeras doenças, dentre elas o câncer. A utilização de partículas no nível da nanoescala oferece inúmeras vantagens. A presença da magnetita nas partículas de cera de carnaúba permite avaliar as propriedades das nanopartículas magnéticas como fonte geradora de calor e como agente de contraste em imagem por ressonância magnética, uma técnica amplamente utilizada no diagnóstico clínico de doenças e avaliação pós-terapêutica", reitera a Profª Nágila Ricardo.
Dentro dessa perspectiva, o nanocompósito insere-se na abordagem dos procedimentos teranósticos, uma área em expansão da Medicina que integra nanociência para aplicações terapêuticas mais precisas. "Combinam-se em um mesmo sistema múltiplas estratégias que atuam em sinergia para aumentar seus efeitos terapêuticos benéficos, quando comparados em atuação de forma isolada. O teranóstico envolve uma combinação de terapia e diagnóstico para formar um único agente. Com isso tem-se ao mesmo tempo o diagnóstico, a administração do fármaco e o mais importante, é possível monitorar a resposta ao tratamento aplicado", afirma a docente.
A escolha da cera da carnaúba para a pesquisa segue um dos enfoques do LabPIM: a utilização de produtos naturais da caatinga para o desenvolvimento de novos materiais que possam ser empregados no combate ao câncer. O derivado da árvore símbolo do Ceará, inclusive, atualmente é destaque no campo da Química Fina, para a síntese de nanopartículas lipídicas sólidas (NLSs), complementa a pesquisadora Carolina Moura. "As NLSs que possuem em sua composição cera de carnaúba têm sido propostas como veículos adequados para a administração de drogas com baixa solubilidade. Aos sistemas de NLSs foram adicionadas nanopartículas magnéticas e surgiram as nanopartículas lipídicas sólidas magnéticas (NLSMs), que têm sido descritas como um sistema em potencial para carreamento e liberação controlada de drogas".
RESULTADOS – Com pesquisas voltadas ao desenvolvimento de novos sistemas magnéticos para aplicações biomédicas, o LabPIM registra já uma patente das nanopartículas à base de cera de carnaúba. Intitulada "Nanopartículas lipídicas sólidas magnéticas à base de cera de carnaúba com potencial em hipertermia magnética e imagem por ressonância magnética" (BR 10 2016 016795 7 A8), a patente foi um resultado possível através de parceria com o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia, em Portugal, com a colaboração do pesquisador Manuel Bañobre-López. "O INL (sigla para International Iberian Nanotechnology Laboratory) possui uma infraestrutura básica de última geração para a investigação em nanotecnologia, o que permitiu a realização de alguns experimentos que não são possíveis de serem realizados na Universidade Federal do Ceará, sendo necessário o envio das amostras para outros centros de pesquisa no exterior", detalha a Profª Nágila.
Segundo ela, a pesquisa segue adiante e os próximos passos são consolidar a investigação e avançar para a etapa clínica. "Esse foi o primeiro passo e constituiu uma abordagem segura e otimizada desses sistemas, além de representar um avanço em direção à teranóstica personalizada. Estamos buscando avançar na validação dos ensaios in vivo e na determinação do potencial anticâncer em parceria com a Profª Cláudia do Ó Pessoa, do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFC, e com outros pesquisadores, pois há uma necessidade da integração de várias áreas do conhecimento para o sucesso da pesquisa científica", finaliza.
Fonte: Profª Nágila Ricardo, do Departamento de Química Orgânica e Inorgânica da UFC – e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.